Privatização da água em Jaru: o perigoso processo de privatização do saneamento básico em Rondônia

A concessão dos serviços de água e esgoto em Jaru, Rondônia, foi transferida para uma companhia privada e, agora, suspensa pelo Tribunal de Justiça de Rondônia. O processo revela uma triste situação de negação do básico no estado.

Em um evento realizado na Bolsa de Valores B3 em São Paulo, na tarde de quinta-feira, 23 de novembro, ocorreu o leilão para a concessão dos serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto na cidade de Jaru. A Aegea, representada pela corretora Necton Investimentos, ganhou o leilão com uma oferta incluindo um abatimento de 10% na tarifa e um investimento de R$ 43,4 milhões.

A Aegea é líder no setor privado de saneamento básico no Brasil, atuando em mais de 500 cidades brasileiras e controlando a água que sai nas torneiras de mais de 31 milhões de brasileiros. Em Jaru, a Aegea assumirá o controle dos sistemas de água e esgoto pelos próximos 35 anos. O leilão foi precedido por audiências públicas que tiveram limitada divulgação, e a negociação ocorreu fora de Rondônia, com pouca cobertura da mídia.

Previamente, um consórcio de consultoria em saneamento, incluindo Infraway Engenharia LTDA, Terrafirma Consultoria Empresarial e de Projetos LTDA, e Toledo, Marchetti, Oliveira, Vatari e Medina Advogados, realizou estudos preparatórios.

Os serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de esgoto de Jaru apresentam diversos desafios. Autoridades locais demonstram interesses na privatização desse serviço básico e direito dos cidadãos brasileiros. Essas autoridades, incluindo o vice-prefeito e outros oficiais municipais, estiveram presentes no leilão.

Preocupações

Há preocupações sobre a privatização do saneamento em Jaru. Críticos questionam o potencial aumento de tarifas, apesar do desconto inicial de 10% oferecido pela Aegea, e como isso afetará os consumidores.

Também há receios de que a busca pelo lucro possa comprometer a qualidade dos serviços e atendimento às necessidades locais, dada a grande presença da Aegea em outros municípios e o interesse de capital externo nas atividades da empresa. Importante frisar que a Aegea é controlada pela Itaúsa, Fundo Soberano de Cingapura (GIC), Grupo Equipav e, já contou com participação do Banco Mundial como um de seus controladores.

A duração de 35 anos da concessão também é motivo de debate. O comprometimento de longo prazo pode limitar a flexibilidade do município em adaptar-se a mudanças futuras nas demandas e normativas do setor de saneamento. Questiona-se a capacidade da Aegea de lidar com crises e emergências, pondo em dúvida a robustez do novo modelo frente a desafios inesperados.

Transparência e Responsabilidade Social

O processo de concessão também levanta dúvidas quanto à transparência e responsabilidade social. Há temores de que a operação privada dos serviços possa não estar sujeita ao mesmo nível de fiscalização pública que uma entidade governamental, podendo levar a uma falta de transparência nas decisões sobre gestão hídrica.

Além disso, preocupa-se com a habilidade da empresa privada de alinhar interesses financeiros com responsabilidade ambiental. Alerta-se para o risco de ações focadas somente no lucro, que podem negligenciar aspectos cruciais de preservação ambiental e sustentabilidade, impactando negativamente ecossistemas locais, a saúde pública.

A suspensão do processo via liminar

Por meio de Mandato de Segurança n° 0813558-17.2023.8.22.0000, no dia 12 deste mês de dezembro, o Desembargador Osny Claro de Oliveira, do Tribunal de Justiça de Rondônia, expediu liminar suspendendo o processo de licitação para privatização dos serviços de saneamento básico de Jaru.

O Mandado de Segurança direcionado à Prefeitura de Jaru atendeu reinvindicação da CAERD (Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia), responsável pelo fornecimento de serviços de saneamento básico em Rondônia. Na liminar foram apontadas ilegalidades no processo de licitação realizada pela Prefeitura de Jaru, pois realizou uma rescisão antecipada de Contrato de Programa sem o devido processo administrativo, nem prévia indenização; além do descumprimento da Lei Complementar Estadual n° 1200/2023, que estabeleceu uma regionalização abrangendo todos os municípios do estado em uma Microrregião de saneamento básico.

Os municípios de Machadinho d’Oeste e Porto Velho também estão em vias de abrir processo licitatório para privatização do saneamento básico, isentando o município do cumprimento de suas obrigações com a população.

A triste realidade do saneamento básico brasileiro e em Rondônia

Apesar de aprovado na CCJ em 2022, o saneamento básico ainda não foi reconhecido como um direito fundamental tal como os direitos sociais básicos previstos no artigo 6º da Constituição. Tal fato revela um triste cenário brasileiro, no qual apesar da grande disponibilidade hídrica muitos não tem acesso a água potável.

De acordo com dados do Instituto Trata Brasil, 35 milhões de brasileiros não são abastecidos com água tratada e 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de esgotos, quase metade da população brasileira. No Brasil, apenas 51,2% do esgoto é tratado e Em 2020 foram registradas mais de 167 mil internações por doença de veiculação hídrica com 1.898 óbitos diretamente relacionados a esse fator.

Voltando para o Norte e para Rondônia os dados são ainda mais graves, apenas 57% dos domicílios da Região Norte contam com água tratada e apenas 12,3% do esgoto é coletado, os piores indicadores entre as regiões brasileiras. De acordo com o levantamento de dados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2021, em Rondônia 1.679.668 pessoas não é atendida por coleta de esgoto, somente 9,2% do esgoto foi tratado e 965.957 pessoas não tiveram acesso à água com qualquer nível de tratamento.

Porto Velho figura hoje como a pior capital brasileira quanto ao atendimento em saneamento básico. Somente 26% da população é atendida pela CAERD com água tratada e apenas 5,8% com coleta de esgoto. A população necessita recorrer a métodos que não garantem a qualidade da água consumida ou descarte ideal do esgoto, muitas vezes, ambos ocorrendo muito próximos com a captação de água em poços artesianos e o descarte em fossas. Em Porto Velho, 312 foram internadas por doenças de veiculação hídrica e 7 morreram em 2021 por conta dessas doenças.

A situação não é diferente em Jaru, que apenas metade de sua população conta com acesso a água tratada. O município não apresenta nenhum dado de coleta de esgoto, sendo 100% descartado sem nenhum tratamento de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2021.

Os questionamento que restam são: Quais os interesses dos governos municipais e estaduais em não oferecer condições básicas de acesso a água e coleta de esgoto aos rondonienses? A chegada da Aegea, a partir de um processo tendencioso e pouco transparente de privatização, apresentaria alguma resolução e melhoria para o saneamento básico da população rondoniense em Jaru, Machadinho d’Oeste e Porto Velho?

A transferência de um serviço básico às mãos da iniciativa privada não representa avanço aos direitos da população, representa apenas a capitalização da necessidade e a privação de acesso ao saneamento básico. Aos que não puderem pagar as tarifas para o uso, restará continuar a consumir água não tratada captada no mesmo espaço onde são depositados o esgoto doméstico.

Para ter acesso aos dados acesse o Trata Brasil e seu o Painel de Saneamento Básico.

Fonte: Tudorondonia.com e Rondoniaovivo.

Últimas Postagens

Compartilhe esse post!

Facebook
WhatsApp
LinkedIn
Twitter
Email