Garimpo ilegal em terras indígenas: um impacto recorrente

Garimpo ilegal na Terra Indígena Sete de Setembro

O garimpo em TIs passou por um crescimento agudo entre os anos de 2016 e 2022 e ainda é um desafio para o enfrentamento aos crimes ambientais e para a agenda socioambiental, principalmente na Amazônia Legal.

O garimpo, em terras indígenas, é um tema complexo, que envolve questões ambientais, sociais, culturais e econômicas. A prática do garimpo, que se refere à extração de minérios como ouro e diamantes de forma artesanal ou de pequena escala, tem recebido grandes investimentos e ampliado sua escala com equipamentos, infraestrutura e redes de circulação. No Brasil, o garimpo, tem intensificado sua ação em terras indígenas, especialmente na Amazônia. Esta atividade, grande maioria das vezes ilegal, tem causado graves impactos às comunidades indígenas e ao meio ambiente.

Os povos indígenas possuem direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, que reconhece a posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam, e lhes assegura o uso das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nelas. No entanto, a invasão de terras indígenas, por garimpeiros, é uma realidade crescente, muitas vezes, incentivada por uma falta de fiscalização eficaz, e por discursos políticos que minimizam a importância da preservação dessas áreas.

Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) indica que as invasões de TIs pelo garimpo tiveram um ápice entre 2016 a 2022, período correspondente aos governos Temer e Bolsonaro. Neste período ocorreu um crescimento de 361% da atividade de garimpo em TIs na Amazônia. Sendo que 78% das áreas de garimpo em territórios indígenas foi surgiu no período entre 2016 e 2022.

Crescimento do garimpo em Terras Indígenas na Amazônia em hectares. Fonte: IPAM (2024).

Um exemplo de ação do governo do período que indica o estímulo para o garimpo, foi o Projeto de Lei 191/2020, de autoria do Executivo, representado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que permitia, se aprovado, a mineração, turismo, pecuária, exploração de recursos hídricos, de hidrocarbonetos e construção de usinas hidrelétricas em TIs, e sem a possibilidade de veto dos indígenas.

Além disso, o estudo indica que 44% dos garimpos fora de TIs na Amazônia se localizam em um raio de até 50 kms dos limites de territórios indígenas, o que pode provocar o avanço deste garimpo para o interior de TIs, estimular a abertura de novas lavras, promover o aliciamento das comunidades e a contaminação direta e indireta.

A atividade garimpeira, em terras indígenas, traz consigo uma série de consequências negativas. Entre os impactos ambientais, destacam-se a contaminação dos rios e lençóis freáticos por mercúrio, utilizado no processo de extração de ouro, o assoreamento de cursos d’água, o desmatamento, a degradação e contaminação do solo, podendo impactar plantações e afugentar animais. Essas práticas, não apenas destroem a flora e fauna locais, mas também afetam a qualidade de vida das comunidades indígenas, que dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência, assim como das comunidades não-indígenas a jusante.

Do ponto de vista social e cultural, o garimpo ameaça a integridade dos povos indígenas. A presença de garimpeiros, nas terras indígenas, leva ao aumento da violência, da criminalidade e da disseminação de doenças. Além disso, essa atividade provoca a desestruturação das comunidades, com a introdução de novos hábitos e a desvalorização das tradições e costumes indígenas. Em muitos casos, os indígenas são aliciados ou forçados a trabalhar no garimpo, em condições precárias e desumanas.

Apesar de ser uma atividade ilegal em terras indígenas, o garimpo continua a crescer devido à alta rentabilidade do ouro e à falta de alternativas econômicas viáveis para as comunidades locais. Apesar das constantes operações, o Governo Brasileiro tem enfrentado dificuldades em coibir o avanço do garimpo, seja por falta de recursos, ou por interesses políticos e econômicos, que favorecem a exploração mineral em detrimento dos direitos indígenas.

Área de influência do garimpo na Amazônia Legal, em roxo, território de Terras Indígenas. Fonte: OVIEDO, A; ARAÚJO, V. S (2021).

Em termos legais, o estatuto dos povos indígenas, e a própria Constituição, estabelecem que qualquer exploração mineral, em terras indígenas, deve ser previamente autorizada pelo Congresso Nacional, com a devida consulta às comunidades afetadas. No entanto, na prática, a falta de regulamentação específica, e a morosidade dos processos legislativos, têm dificultado a proteção efetiva dessas áreas.

As organizações indígenas, ambientalistas e de direitos humanos, têm denunciado, consistentemente, os impactos do garimpo em terras indígenas, e pressionado por uma atuação mais firme do governo na fiscalização e repressão dessa prática. Essas organizações também ressaltam a necessidade de promover alternativas sustentáveis para as comunidades indígenas, que respeitem seus modos de vida tradicionais e garantam sua autonomia econômica.

Entende-se que a questão do garimpo, em terras indígenas, não é apenas um problema local, mas também um desafio global, dada a importância da Amazônia para a regulação climática do planeta. A destruição das florestas e a contaminação dos rios têm implicações diretas para a biodiversidade e para o equilíbrio ambiental global. Além disso, a violação dos direitos indígenas é uma questão de justiça social e de respeito à diversidade cultural.

O cenário atual exige uma reflexão profunda sobre o modelo de desenvolvimento que se deseja para a Amazônia e para o Brasil. É necessário encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação dos direitos indígenas e do meio ambiente. Somente através de políticas públicas efetivas, uma legislação firme, de um diálogo respeitoso com as comunidades indígenas, e de um compromisso real com a sustentabilidade, será possível reverter os danos causados pelo garimpo e proteger as terras indígenas para as futuras gerações.

Portanto, abordar as complexidades e os impactos do garimpo em terras indígenas, destacando a necessidade de políticas públicas e ações que garantam a proteção dessas áreas e dos povos que nelas vivem, é de extrema urgência e necessidade, para que os grupos étnicos não sejam, em mais um momento da história, dizimados; seus territórios, corpos e suas culturas precisam ser preservados.

Fontes:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília: Senado Federal.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. O impacto do garimpo nos indígenas e ribeirinhos. Vídeo, 2020.

OVIEDO, A; ARAÚJO, V. S. O garimpo em terras indígenas não traz progresso social. In: Instituto Socioambiental. 2021.

PORTAL AMAZÔNIA. A aventura da mineração em Rondônia é mostrada em livro. 20 ago 2024. [S.l].

CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 191/2020. Brasília, 2023.

BENITES, A. Bolsonaro anuncia projeto que permite garimpo em área indígena e sugere “confinar ambientalistas”. El Pais, 05 fev. 2020, Brasília.

FELLOWS, M. et al. As Cicatrizes do Garimpo em Terras Indígenas da Amazônia Brasileira. Nota técnica. IPAM, Brasília-DF. 2024.

RODRIGUES, D.; ALBERTONI, L.; MENDONÇA. S. B. M. Antes sós do que mal acompanhados: contato e contágio com povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil e desafios para sua proteção e assistência à saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 29, n.3. 2020.

Observa Rondônia. IBAMA e PF executam operação nas TIs Sete de Setembro e Zoró. 12 agosto 2024. Porto Velho.

RAMALHO, Y.; RUFINO, S.; BARRETO, K. Ações do governo federal contra garimpo ilegal são ineficientes e área devastada cresce 7% na Terra Indígena Yanomami, diz ISA. G1, 26 jan 2024, Boa Vista.

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