Começamos hoje uma série de publicações que vão abordar a questão da saúde indígena no Brasil. A partir dessa série buscamos expor o contexto histórico, a luta pela garantia desse direito, projetos, estruturas e desafios enfrentados. Os textos partem do entendimento de que a participação ativa das comunidades indígenas na formulação e implementação de políticas de saúde, é essencial para garantir que seu direito a saúde, necessidades e particularidades sejam atendidas.
A Saúde indígena no Brasil: estruturas, governança e desafios
A saúde indígena no Brasil é um tema de extrema complexidade, que necessita de evidência e reflexão. Com o intuito de termos um panorama dos aspectos que abrangem essa área, trouxemos um cenário geral do tema, apontando aspectos como: contexto histórico, desafios, estrutura, projetos, entre outros.
Os povos indígenas sofrem prejuízos no que tange aos seus territórios, desde o período da colonização. Em relação às demandas que caracterizam tais processos, cabe apontar o desmatamento, intervenções culturais – resultantes em desconstruções forçadas da vida tradicional. Os ocorridos geram diversas implicações; dentre elas, é necessário pontuar os impactos junto à saúde desses povos.
Os povos tradicionais enfrentam dificuldades variadas, como doenças infecciosas, por exemplo, malária, tuberculose, COVID-19, que geram um impacto significativo no contexto social, cultural e histórico dos atingidos. Tais enfermidades acabam por comprometer os hábitos alimentares. Para além do que apontamos, a saúde indígena também entra em vulnerabilidade por conta das mudanças territoriais, climáticas e ambientais. Dessa forma, envolver as comunidades indígenas na elaboração e implementação de políticas de saúde, garantindo que suas vozes e necessidades sejam ouvidas e atendidas, é importante, de modo que signifiquem junto às implementações para a sua eficácia.
Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs)
No Brasil, existem 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), responsáveis por coordenar a assistência à saúde das populações indígenas em suas regiões específicas.
O DSEI de Porto Velho abrange uma população indígena de 11.754 (onze mil setecentos e cinquenta e quatro) indígenas, distribuídos em 200 aldeias com abrangência nas regiões territoriais de Porto Velho, Guajará-Mirim, Jaru, Ji-Paraná, Alta Floresta D’Oeste, em Rondônia e Humaitá no Amazonas (Relatório Situacional do Distrito Sanitário de Saúde Indígena Porto Velho, 2022).
Mapa da divisão territorial do DSEI Porto Velho.
A formação de agentes indígenas de saúde e saneamento é uma estratégia importante, pois esses profissionais, além de serem parte das comunidades, compreendem melhor as especificidades culturais e linguísticas.
Ao mesmo tempo que apontamos a relevância desses agentes, observamos uma fragilidade em relação a este coletivo de profissionais. Com o intuito de diluir tal evidência, o Ministério da Saúde lançou um edital articulando o Programa Mais Médicos aos DSEIs, onde serão distribuídas 129 vagas aos 18 DSEIs, distribuídos na região Norte, ficando para o DSEI Porto Velho–RO 5 vagas (Ministério da Saúde, 2024).
Autonomia, projetos e promoção da saúde
É crucial integrar a medicina tradicional indígena à medicina não-indígena, resultando em interdisciplinaridade dos conhecimentos, partindo da perspectiva que se trata de uma construção coletiva. O respeito pelos saberes tradicionais e práticas de cura, é fundamental para um atendimento eficaz e respeitoso. A participação ativa das comunidades indígenas na formulação e implementação de políticas de saúde, é essencial para garantir que suas necessidades e particularidades sejam atendidas.
No que tange à iniciativa aos projetos, é necessário evidenciar a Educação em Saúde, bem como também os programas, dessa natureza, voltados à prevenção de doenças e promoção da saúde. Os referidos projetos são implementados em algumas comunidades, visando empoderar os povos indígenas, de modo que cuidem de sua saúde de maneira mais autônoma. Mas cabe ao sistema de saúde fazer o acompanhamento e avaliação da eficácia dessas ações, e apontar, por meio de avaliações dos projetos, se as missões estabelecidas estão sendo devidamente cumpridas. Na contramão do ideal, observamos que,
Será sempre difícil aceitar a ideia de criação indígena, e não só a transmissão do conhecimento como rememoração, a menos que atentemos para o vocabulário das perdas culturais que recorrentemente nos apontam. Quero enfatizar, com isso, a reversibilidade criativa entre “perdas e descobertas”, pois há uma maneira manifestada de mitigar tais perdas e se opor a elas. Essa oposição se mostra atualmente realizada pelos projetos relativos a direitos culturais, especialmente nas atividades conceituadas como de “resgate cultural” (Pinto, p.275, 2016).
Em relação à manutenção da saúde dos povos indígenas, garantir a sustentabilidade e continuidade dos serviços de saúde, especialmente em áreas remotas e de difícil acesso, permanecer na luta pela demarcação de terras indígenas, e o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas, são fundamentais para a saúde e bem-estar dessas comunidades.
A saúde indígena requer uma abordagem holística e integrada, que considere não apenas os aspectos biológicos, mas também os determinantes sociais, culturais e ambientais da saúde. É perceptível que um dos fatores que interfere, incisivamente, é a necessidade de mudanças de territórios. Um dos elementos que levam a tal prática é a falta de demarcação territorial, que inclusive viola um direito constitucional.
O Ministério da Saúde Indígena, embora não exista formalmente como uma entidade separada, refere-se ao conjunto de políticas, programas e estruturas, dentro do Ministério da Saúde do Brasil, dedicados à atenção à saúde das populações indígenas.
A principal instituição responsável por essas ações é a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que foi criada em 2010. A SESAI é responsável pela formulação, coordenação, articulação e execução de políticas públicas de saúde, voltadas às populações indígenas. Sua missão é garantir a saúde integral dos povos indígenas, respeitando suas especificidades culturais e territoriais.
Referências:
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Mais médicos abre 129 novas vagas para atuação em territórios indígenas da região Norte. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias-para-os-estados/rondonia/2024/julho/mais-medicos-abre-129-novas-vagas-para-atuacao-em-territorios-indigenas-da-regiao-norte. Acesso em 19 de jul. 2024.
________________. SECRETARIA DE SAÚDE INDÍGENA. Relatório situacional do distrito sanitário especial de saúde indígena do distrito sanitário especial indígena – Porto Velho/Rondônia. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/audiencias-publicas/2023/audiencia-publica-para-contratacao-de-instituicoes-privadas-sem-fins-lucrativos-para-execucao-de-acoes-de-saude-e-determinantes-ambientais-junto-aos-povos-indigenas/anexo-xxxi-relatorio-situacional-dsei-porto-velho.pdf Acesso 15 de Jul. 2024.
PINTO, Nicole Soares. Sobre alguns modos de usar a cultura dos outros. In: Políticas culturais e povos indígenas; Organização Manuela Carneiro da Cunha, Pedro de Niemeyer Cesarino. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016.