Discutir criticamente a construção da tese do Marco Temporal e suas reverberações em violações aos direitos indígenas será foco de uma nova série de publicações.
Os direitos dos povos indígenas são oficialmente reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, na Convenção 169 da OIT, nas declarações dos direitos dos povos indígenas da ONU e da OEA, e na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Já o “marco temporal” é um conceito jurídico controverso no Brasil, relacionado à demarcação de terras indígenas. Segundo o V boletim do Observa RO, “O Marco Temporal é uma tese jurídica que estabelece uma data específica para definir quais terras indígenas são elegíveis para proteção legal no Brasil.”
Esta tese tem sido aplicada em diversas decisões judiciais tomadas pelos tribunais federais que visam à anulação de demarcação dos territórios indígenas, fundamentadas no argumento da inexistência de presença indígena na área reivindicada em 5 de outubro de 1988 (RELATÓRIO CIMI- 2019).
A tese se fortalece por meio de uma ação julgada parcialmente procedente, petição nº 3.388, de Roraima, do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo da ação estava vinculado à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. “O caso foi um marco em matéria de demarcação de terras indígenas, tendo como objetivo a impugnação quanto ao modelo contínuo de demarcação da terra” (Moço, 2021). Na época, a ação declarou a carência de vícios e constitucionalidade em relação à demarcação contínua do território. No entanto, foi agregada a data da publicação da CF/1988 como elemento material para o reconhecimento da ocupação territorial indígena.
Os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 são, em si, a maior prova de Renitente Esbulho contra a tese do “marco temporal”, pois é fruto de ação coordenada dos indígenas brasileiros à época da Constituinte e de sua revisão, em 1993. Tratam-se de direitos conquistados para resolver todos os conflitos de terra vividos pelos povos indígenas no Brasil da promulgação até os dias atuais; que se cumpra a lei. Demarcação das terras indígenas no Brasil e desintrusão de seus invasores, como determina a Constituição, é a Justiça a ser feita no Brasil. Com a questão do “marco temporal” sendo julgada no STF, os mecanismos forjados durante mais de um século e meio de regime tutelar do índio ressurgem como a mais eficiente maneira de negação de direitos indígenas já praticado no país (Relatório CIMI- 2019).
A tese do marco temporal é amplamente debatida e criticada por muitos setores da sociedade, incluindo lideranças indígenas, ONGs, e juristas, que argumentam que ela desconsidera o histórico de expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas ao longo dos séculos. Muitas comunidades foram forçadas a deixar suas terras muito antes de 1988, o que dificultaria ou impossibilitaria a comprovação de ocupação contínua para algumas etnias.
Os defensores do marco temporal, por outro lado, argumentam que ele traz segurança jurídica e impede que áreas já consolidadas com outros usos sejam revertidas para demarcação indígena, evitando conflitos de terras. Nessa perspectiva,
A justificativa era a adequação à tese do marco temporal – a política indigenista do governo federal passa então a ser da destruição e da assimilação dos indígenas à civilização, pois, segundo o presidente, “índios em reservas” seriam como “animais em zoológicos”. Essa guerra passa a ter a adesão dos governos estaduais, municipais e do poder Legislativo, além de toda a elite rural do agronegócio (Relatório CIMI, 2022).
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de julgamentos importantes relacionados a essa questão, e suas decisões podem ter impactos significativos nas políticas de demarcação de terras no Brasil. A discussão sobre o marco temporal continua a mobilizar a sociedade, sendo um tema central nas lutas pelos direitos dos povos indígenas e pela preservação de seus territórios ancestrais.
No sentido contrário a esse projeto de morte, os povos indígenas deram continuidade à sua luta histórica pela existência e resistência, em gritos que ecoaram pelo mundo inteiro, como ‘‘Demarcação Já’’, ‘‘Sangue indígena, nenhuma gota a mais’’ e ‘‘Não ao Marco Temporal’’ (Relatório Cimi, 2022).
De acordo com Pinto Júnior (2021) para que haja justiça ambiental, há a necessidade de refletir em torno das legislações existentes que visam prevenir os direitos brasileiro. Para uma justiça eficaz é necessário considerar as multiculturas e diversidades étnicas que caracterizam a sociedade brasileira. Dessa forma, a tese do marco temporal não considera tal diversidade e busca pautar negociações em torno dos direitos dos povos indígenas, que foram sendo constituídos por meio de lutas, resultados de movimentos sociais indígenas e resistências. Vale ressaltar que o marco temporal em prática desconsidera e viola direitos constitucionais.
Fonte:
CIMI. Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil- Dados de 2019. Disponível em:https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf
MOÇO. Marco Temporal, uma teoria inconstitucional Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-10/vinicius-moco-marco-temporal-teoria-inconstitucional/
Observa Rondônia. Observatório Socioambiental de Rondônia. Edição V, 2024. https://observaro.org.br/wp-content/uploads/2024/05/OBSERVATORIO-SOCIOAMBIENTAL-DE-RONDONIA-EDICAO-V.pdf
PINTO JÚNIOR, A. R. A Justiça ambiental, da igualdade formal à material: Realidades a Desafiar o Direito Brasileiro. 1ª ed. Curitiba: Appris, 2021.