A atuação de jovens indígenas no Acampamento Terra Livre: reflexões acerca da Tese do Marco Temporal

Manifestação contra o Marco Temporal. Foto: Apib/Pí Suruí.
Manifestação contra o Marco Temporal. Foto: Apib/Pí Suruí.

Articulação e resistência. O quinto texto da série sobre o Marco Temporal das TIs discute o papel de mobilização e resistência promovido pela juventude indígena.

A participação de jovens indígenas no Acampamento Terra Livre é uma contribuição fundamental para o fortalecimento da luta por direitos e pela preservação da cultura, das terras e dos recursos naturais dos povos originários do Brasil. Anualmente, o Acampamento Terra Livre (ATL), que reúne diversas lideranças indígenas no país, ocorre em Brasília. Esse evento agrega indígenas de todo Brasil e de diferentes etnias, e a presença de jovens é cada vez mais significativa.

O Acampamento Terra Livre (ATL), a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, acontece desde 2004, por regra todo mês abril e em Brasília – DF, e excepcionalmente em outro mês e outra unidade da Federação, a depender da análise conjuntura nacional e da situação dos direitos indígenas e das deliberações dos dirigentes e das organizações de base do movimento indígena. (…) Assim o ATL inaugurou um marco histórico para o Movimento Indígena, consolidando as estruturas para a contínua mobilização nacional dos Povos Indígenas do Brasil, possibilitando formalmente a criação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em novembro de 2005, deliberação política tomada pelo Acampamento Terra Livre desse ano (APIB, 2022).

Nesse contexto, temos a juventude indígena em Rondônia que atua apresentando pautas que violam os seus direitos, dentre elas, a tese do marco temporal, sendo uma transgressão que abarca todos os povos indígenas.

Fonte: CIMI. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2023-cimi.pdf   

Defesa de Territórios, Direitos, Formação e Consciência Jurídica

Neste espaços, os jovens indígenas desempenham um papel essencial em várias frentes do Acampamento Terra Livre, assim como dentro dos seus territórios.

Muitos jovens estão à frente das reivindicações de seus territórios e dos direitos garantidos pela Constituição, de forma que conseguem identificar que os direitos assegurados nos artigos 231 e 232 encontram-se sob ataque com a oficialização da Lei nº14.701/2023, como indica a imagem a seguir. Com uma formação mais ampla, incluindo o uso das mídias sociais, eles conseguem levar essas pautas para além do ATL, alcançando maior visibilidade e apoio.

Fonte: CIMI Arte- Verônica Holanda. Disponível em: https://cimi.org.br/2024/04/marco-temporal-ainda/  

a Lei 14.701 foi uma resposta do Congresso Nacional à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a inconstitucionalidade do Marco Temporal. Ela é, na prática, mais uma das várias ferramentas que o agronegócio utiliza para invadir e saquear os territórios indígenas, colocando a exploração predatória dos recursos naturais à frente da manutenção da vida e dos interesses da coletividade (GREENPEACE, 2024).

Uma das demandas do movimento é em relação à demarcação de seus territórios, sendo esta uma condição básica para a conquista de todos os outros direitos que vêm sendo amplamente prejudicada com a tese do marco temporal.

Engajamento da juventude indígena nas repercussão das pautas

A juventude indígena tem dominado ferramentas de comunicação, sobretudo, utilizando redes sociais e outras ferramentas digitais para compartilhar as pautas e lutas de seus povos, tornando-se vozes ativas e influentes na defesa de seus direitos. Plataformas como X-Twitter, Instagram, Tik Tok e Facebook são usadas para relatar injustiças, organizar mobilizações e aumentar a conscientização da sociedade.

Essa comunicação digital permite que a luta indígena alcance uma audiência ampla e diversificada, incluindo setores da sociedade que talvez não tenham acesso ou compreensão sobre as questões indígenas.

Em Rondônia, o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia é atuante no processo de evidenciar os reflexos das violações de direitos localmente e de amplificar as pautas locais. Utilizando as mídias sociais, como o Instagram, denunciam práticas ilícitas e legislações que violam seus direitos, como o caso da PEC 48.

Foto: Movimento da Juventude Indígena de Rondônia (2024).

Para muitos jovens, a luta contra o marco temporal é também uma luta pela preservação de sua identidade, cultura e modo de vida. Durante o ATL, é comum que eles se envolvam em atividades que evidenciam e fortalecem suas culturas, reforçando a conexão entre as demandas contemporâneas e o respeito pelas tradições ancestrais.

Apesar do governo, os povos indígenas e suas organizações mantiveram, com o apoio do Cimi e de outras entidades, a sua resistência e vivência nos territórios, não recuando e intensificando o processo de mobilização interna e externa. Realizaram o Acampamento Terra Livre (ATL), que reuniu cerca de 4 mil lideranças indígenas em Brasília, fortalecendo politicamente a luta em defesa dos seus direitos. O processo de mobilização contribuiu para que, junto ao Judiciário, ao menos 18 decisões fossem tomadas em prol das suas lutas. Esse aspecto foi evidenciado nos objetivos das mobilizações das 15 delegações que se fizeram presentes em Brasília, incidindo politicamente junto aos Três Poderes. As delegações foram compostas por cerca de 500 lideranças e mais de 50 povos indígenas (Relatório CIMI- Dados de 2019).

Conforme destacamos, uma das pautas da juventude indígena no ATL é proporcionar o fortalecimento dos direitos indígenas. Assim, a juventude indígena desempenha um papel ativo e estratégico na resistência ao marco temporal, com uma prática que une tradição, grande capacidade de organização e envolvimento e que se evidencia especialmente durante o ATL.

O ATL como Espaço de Voz e Protagonismo

No Acampamento Terra Livre (ATL), a questão do “marco temporal” é uma das pautas centrais de discussão e mobilização, inclusive para a juventude indígena. O marco temporal é uma tese jurídica defendida por setores contrários à demarcação de terras indígenas que propõe que apenas os povos que estavam ocupando suas terras ou disputando-as judicialmente, na data da promulgação da Constituição de 1988, teriam direito à posse dessas terras. Essa ideia ameaça inúmeros territórios indígenas e coloca em risco os direitos constitucionais dos povos originários.

No encerramento do 19º Acampamento Terra Livre de 2023, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, defendeu em seu discurso, e na presença do presidente Lula, a criação da Comissão da Verdade Indígena para promover a reparação pelo Estado das violências sofridas pelos povos originários no país e para superarmos esse eterno ciclo de repetição de graves violações de direitos humanos, cujo ponto central que alimenta a violência é o desrespeito aos direitos constitucionais e à ausência de demarcação dos territórios indígenas. “A garantia da posse plena dos territórios pelo Estado aos seus povos é também uma forma muito importante de reparação dessas violações”, disse a ministra (RELATÓRIO CIMI. Dados de 2022).

No Acampamento Terra Livre (ATL), a questão do “marco temporal” é uma das pautas centrais de discussão e mobilização, inclusive para a juventude indígena. O marco temporal é uma tese jurídica defendida por setores contrários à demarcação de terras indígenas que propõe que apenas os povos que estavam ocupando suas terras ou disputando-as judicialmente, na data da promulgação da Constituição de 1988, teriam direito à posse dessas terras. Essa ideia ameaça inúmeros territórios indígenas e coloca em risco os direitos constitucionais dos povos originários.

O ATL tem proporcionado aos jovens um espaço de protagonismo, onde podem liderar ações, falar com a imprensa e participar de audiências públicas. Sua visão renovada e engajada torna o movimento mais resiliente e diverso, essencial para enfrentar os desafios impostos pelo marco temporal.

A juventude indígena, portanto, tem se destacado como um pilar fundamental na resistência ao marco temporal e na promoção de uma mobilização que alia o respeito à ancestralidade com o uso das ferramentas de comunicação e articulação política. Esse protagonismo reforça o papel do ATL como uma plataforma onde vozes indígenas se fazem ouvir, lutando para garantir que seus direitos sejam respeitados e que seus territórios permaneçam preservados, contrapondo vozes como a de Jair Bolsonaro.

Em uma entrevista à Rádio Jovem Pan, o então presidente Jair Bolsonaro, comentando o julgamento do STF sobre a tese do chamado “marco temporal”, afirmou que o Brasil “não aguenta mais reserva indígena” e que, se fossem pintadas as áreas demarcadas e reivindicadas pelos povos indígenas, o mapa do país pareceria “um corpo com catapora”. Além de usar a imagem de um corpo doente para se referir aos territórios indígenas, Bolsonaro repetiu argumentos falaciosos sobre a demarcação de terras – encargo do poder Executivo, chefiado por ele. “Se aparece um indígena numa oca em frente ao Palácio da Alvorada, aquilo passa a ser terra indígena”. (…) “São centenas de pedidos na Justiça para que se comece, via portaria, o processo demarcatório. Assim como quilombolas pelo país todo. É uma festa isso aí”, afirmou (RELATÓRIO CIMI. Dados de 2022).

Leia o primeiro texto dessa série sobre a tese do Marco Temporal:

  1. O que é o Marco Temporal?
  2. A tese do Marco Temporal, a luta dos povos indígenas e o etnocentrismo
  3. A derrubada do Marco Temporal pelo STF em 2023
  4. Como se comportou a Bancada Ruralista após a votação do STF contra a tese do marco temporal?

Fontes:

AGÊNCIA PÚBLICA. 20 anos de ATL, as vitórias e derrotas dos indígenas por demarcação. Disponível em:  https://apublica.org/2024/04/20-anos-de-atl-as-vitorias-e-derrotas-dos-indigenas-por-demarcacao/

APIB. Acampamento Terra Livre [2022]. Disponível em: https://apiboficial.org/historicoatl/

CIMI. Juventude Xukuru Kariri cobra demarcação de TI e suspensão da Lei do Marco Temporal em encontro. Disponível em: https://cimi.org.br/2024/10/juventude-xukuru-kariri-marco-temporal-encontro/ 

_____.Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil (dados 2023). https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2023-cimi.pdf  

_____.Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil (dados 2022). Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2023/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2022-cimi.pdf

_____. Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil (dados 2019). Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf

_____. Marco temporal, ainda? Por que a tese segue ameaçando os povos? Disponível em: https://cimi.org.br/2024/04/marco-temporal-ainda/

GREENPEACE. Marco Temporal: entenda porque a Lei 14.701 precisa ser derrubada (2024). Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/marco-temporal-entenda-porque-a-lei-14-701-precisa-ser-derrubada/ 

MPI. Em audiência no STF, Sonia Guajajara defende autonomia dos indígenas em relação a seus territórios. Disponível em:  https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2024/10/em-audiencia-no-stf-sonia-guajajara-defende-autonomia-dos-indigenas-em-relacao-a-seus-territorios

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