Até onde vão os poderes do agronegócio na política brasileira? O quarto texto da série sobre o Marco Temporal das TIs discute a reação da Bancada Ruralista na aprovação do projeto.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha se mostrado contra a tese do Marco Temporal, a Bancada Ruralista agiu na contramão da decisão, e por meio de ação parlamentar, aprovou a legislação que concorda com a construção ideológica do marco temporal. Com isso, a Bancada Ruralista consegui a aprovação do projeto de lei sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), se tornando a Lei nº 14. 701/2023.
Após o STF declarar o marco temporal inconstitucional em 2023, a bancada ruralista manifestou forte insatisfação e repúdio à decisão. A bancada argumentou que a ausência desse critério cria um risco significativo de perda de propriedades rurais devido à possibilidade de novas demarcações de terras indígenas.
Frente Parlamentar da Agropecuária
A Frente Parlamentar da Agropecuária, popularmente conhecida como Bancada Ruralista, representa os interesses dos ruralistas, sobretudo do agronegócio. Essa bancada articulou estratégias para reagir as decisões do STF e fazer pressão, incluindo a obstrução das pautas legislativas no Congresso e a pressão sobre os presidentes da Câmara e do Senado para que avançassem com projetos de lei que (re)estabelecessem o marco temporal.
A Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das mais influentes no Congresso, com grande capacidade de mobilização na Câmara e no Senado, mas também influência na mídia, economia e em setores específicos da sociedade. Esse fato que torna suas ações especialmente impactantes para o futuro das políticas relacionadas ao marco temporal, gerando instabilidade junto aos povos indígenas pois desestabilizam os direitos dos povos tradicionais.
Contudo, a bancada ruralista acabou por aprovar o marco temporal. Os povos indígenas que comemoraram o resultado advindo do STF em setembro de 2023, pouco depois, ainda no mesmo mês, tiveram essa notícia advinda dos parlamentares.
Conforme mencionado, em setembro de 2023 o senado aprova a lei que coloca em vigor a tese do marco temporal, esta havia sido barrada pelo STF. Porém, o presidente Lula acabou vetando alguns pontos da PL, dentre eles o referente ao marco temporal. No entanto, em dezembro de 2023 o veto foi derrubado e no mesmo mês a Lei nº 14.701/2023 foi promulgada (CIMI, 2023).
A votação do Senado sobre o marco temporal ocorreu em setembro de 2023 e resultou na aprovação do projeto por 43 votos a favor e 21 contrários. A proposta estabelece que as terras indígenas só poderiam ser reivindicadas se estivessem sob posse dos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Cronologia do debate e decisões dos poderes
O debate sobre o marco temporal no Brasil tem gerado grandes discussões e divisões entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A seguir, apresentamos um quadro que indica a cronologia dos acontecimentos envolvidos pela tese do marco temporal.
24 de maio | Câmara dos Deputados aprova o PL 490/2007, que vira PL 2.903/2023 no Senado. |
27 de setembro | STF declara marco temporal inconstitucional no âmbito do Recurso Extraordinário 1.017.365, porém, com certas questões não finalizadas levantadas durante a votação dos ministros. |
27 de setembro | Votação no Senado aprova em regime de urgência o Projeto de Lei 2.903/2023, que se torna Lei 14.701/2023. |
20 de outubro | Presidente Lula, no último dia do prazo, veta parcialmente o PL. Marcadamente, um dos pontos vetados é o que contempla o marco temporal. |
16 de novembro | É proposto o PL 5.524/2023, que altera a lei para dispor sobre a indenização a proprietários de títulos em terras indígenas. |
14 de dezembro | Congresso derruba vetos presidenciais ao Projeto de Lei. |
28 de dezembro | Promulgada a Lei nº 14.701/2023. |
A resposta indígena as violações impulsionadas pela Bancada Ruralista
Nacionalmente os povos indígenas têm se manifestado intensamente contra a tese do marco temporal. As mobilizações incluem protestos em Brasília, como o Acampamento Terra Livre, que reuniu milhares de indígenas de diferentes etnias. Eles argumentam que o marco temporal é uma violação de seus direitos históricos às terras, restringindo a demarcação apenas àquelas que estavam sob posse em 1988. As manifestações têm como objetivo pressionar o governo e o Congresso a reverterem a decisão legislativa que restabelece essa tese.
Vale ressaltar que os povos indígenas apontam a referida tese como uma violação drástica em relação aos direitos sociais e territoriais coletivos da comunidade adquiridos, comprometendo negativamente a vida dos indivíduos para além dos seus territórios.
Para Joenia Wapichana, Presidenta da FUNAI, a demarcação de terras não apenas garante o direito dos povos indígenas, como também contribui para a conservação ambiental em razão das suas práticas ecológicas e tradicionais.
“As terras indígenas são as áreas mais protegidas em relação à degradação ambiental no Brasil. Os povos indígenas são guardiões da floresta. Várias terras demarcadas são verdadeiros cinturões de proteção ambiental em locais que são completamente degradados”, ressalta Joenia Wapichana (FUNAI, 2024).
Leia o primeiro texto dessa série sobre a tese do Marco Temporal:
- O que é o Marco Temporal?
- A tese do Marco Temporal, a luta dos povos indígenas e o etnocentrismo
- A derrubada do Marco Temporal pelo STF em 2023
Fontes:
BBC.Como ruralistas reagiram ao STF e aprovaram marco temporal. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4nxd9d93p5o
____Marco temporal: como derrota do governo explica relação com o agro? Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp932ye1x31o
CIMI. Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil (dados 2023). Disponível em:https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2023-cimi.pdf
FUNAI. Marco temporal volta à pauta no STF; Entenda porquê a tese é inconstitucional e viola os direitos dos povos indígenas. Disponível em: https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco-temporal-volta-a-pauta-no-stf-entenda-porque-a-tese-e-inconstitucional-e-viola-os-direitos-dos-povos-indigenas
G 1. Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/21/marco-temporal-sobre-terras-indigenas-entenda-o-que-dizia-a-tese-rejeitada-pelo-stf.ghtml
_____. Rejeitado pelo STF, marco temporal é aprovado no Congresso; veja o que pode acontecer. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/27/marco-temporal-e-aprovado-em-comissao-do-senado-mas-stf-tem-entendimento-diferente-veja-o-que-pode-acontecer.ghtml
_____. Lula veta trecho sobre marco temporal, mas sanciona regras para demarcações de terras indígenas. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/10/20/lula-veta-trecho-sobre-marco-temporal-mas-sanciona-novas-regras-para-demarcacoes-indigenas.ghtml
OBSERVA RO. V Boletim. Disponível em: https://observaro.org.br/wp-content/uploads/2024/05/OBSERVATORIO-SOCIOAMBIENTAL-DE-RONDONIA-EDICAO-V.pdf
UOL. Entenda o que é o marco temporal e o que muda com a decisão do STF. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2023/09/29/entenda-o-que-e-o-marco-temporal-e-o-que-muda-com-a-decisao-do-stf.htm
____. PL do Marco Temporal é aprovado no Senado: veja como votaram os senadores. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/09/27/marco-temporal-votos.htm