O terceiro texto da série sobre o Marco Temporal das terras indígenas discute o papel assumido pelo Judiciário frente a inconstitucionalidade do projeto.
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou em 2023 o julgamento sobre a tese do marco temporal, com um placar de 9 a 2, contra sua aplicação. A maioria dos ministros rejeitou a ideia de que os direitos territoriais indígenas só poderiam ser reconhecidos para terras ocupadas ou em disputa judicial na data da promulgação da Constituição Federal (CF), em 5 de outubro de 1988.
Líderes indígenas, ONGs e especialistas jurídicos argumentam que a tese do marco temporal não considera a longa história de deslocamento e violência sofrida pelas comunidades indígenas, muitas das quais foram removidas à força de suas terras muito antes de 1988. Esse contexto histórico torna desafiador, se não impossível, para algumas comunidades demonstrar ocupação contínua.
Os defensores do “marco temporal” argumentam que ele proporciona segurança jurídica e impede que áreas estabelecidas com outros usos sejam realocadas para demarcação indígena, reduzindo assim os conflitos de terra. No entanto, não reconhecem as pressões de desterritorialização historicamente vividas pelos indígenas no Brasil.
Como votou cada integrante do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido uma arena-chave para esse debate, com suas decisões tendo o potencial de remodelar as políticas de demarcação de terras no Brasil. Em 2023, o STF concluiu um caso crucial sobre o “marco temporal” com uma votação decisiva de 9 a 2 contra sua aplicação. A maioria dos juízes rejeitou a noção de que os direitos territoriais indígenas devem ser limitados a terras ocupadas ou sob disputa legal desde a promulgação da Constituição de 1988.
Assim traçamos um quadro de correlação entre os ministros, suas indicações e argumentações para compreender o perfil de cada integrante frente a questão do marco temporal.
Quadro referente a votação da tese do marco temporal em 2023 | |
Ministros que votaram contra | Síntese da argumentação dos ministros que votaram contra |
Edson Fachin (relator): Indicado ao STF pela presidente Dilma Rousseff | O argumento utilizado pelo ministro foi que os direitos indígenas são originários e não podem ser limitados por um marco temporal. |
Alexandre de Moraes: Indicado ao STF pelo presidente Michel Temer | Apontou que a ocupação tradicional deve ser considerada sem a imposição de datas específicas. |
Cármen Lúcia: Indicada ao STF pelo presidente Lula | Considerou que a proteção constitucional aos povos indígenas não pode ser sujeita a um marco temporal. |
Luís Roberto Barroso e Rosa Weber: Indicado ao STF pela presidente Dilma Rousseff | Os ministros rejeitaram a tese, destacando a necessidade de proteger os direitos dos povos indígenas em consonância com a Constituição. |
Dias Toffoli: Indicado ao STF pelo presidente Lula | Votou contra o marco temporal, ressaltando que os direitos indígenas não podem ser negados por questões históricas de ocupação forçada. |
Gilmar Mendes: Indicado ao STF pelo presidente Fernando Henrique Cardoso | Seguiu com o mesmo voto de boa parte dos ministros, reconhecendo a inconstitucionalidade da tese. |
Luiz Fux: Indicado ao STF pela presidente Dilma Rousseff | Seguiu o voto de Edson Fachin, dialogando com o que está previsto na Constituição Federal. |
Cristiano Zanin: Indicado ao STF pelo presidente Lula | Também se posicionou contra a tese, em seu primeiro julgamento relevante no STF. |
Ministros que votaram a favor | Síntese da argumentação dos ministros que votaram a favor |
Nunes Marques: Indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro | Realizou seu argumento defendendo a aplicação do marco temporal, argumentando em favor da segurança jurídica para proprietários não indígenas. |
André Mendonça: Indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro | Votou a favor, sustentando que a tese traz estabilidade ao país. |
A representação dos votos
O resultado da votação reforça a proteção dos direitos territoriais indígenas, permitindo que reivindicações de terras não sejam limitadas por uma data específica. A decisão tem um impacto significativo nas futuras demarcações de terras indígenas no Brasil (Agência Brasil, 2023).
Os ministros que votaram contra a tese do marco temporal compuseram um total de 9 (nove) representantes. No geral, argumentaram em torno dos direitos existentes dos povos indígenas, assegurados pela C.F. Apontaram de forma incisiva em relação aos direitos dos povos indígenas e a inconstitucionalidade da ação.
Na contramão, houve 2 (dois) ministros que votaram a favor da tese, em parte com o intuito de defender a segurança jurídica de não indígenas, em relação aos territórios envolvidos, por exemplo. Outro argumento utilizado foi em relação à coesão no que tange à estabilidade que o país teria após a tese, na visão dos ministros.
A tese está diretamente relacionada ao aumento das movimentações no campo, conforme pudemos evidenciar no Boletim Edição V ao verificar o crescimento do número de invasões à territórios indígenas em Rondônia:
Uma série de movimentações e invasões foram registradas no Brasil após a aprovação do projeto de lei na Comissão de Constituição e Justiça sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), em 27 de setembro de 2023. O projeto virou a lei 14.701/2023 e foi promulgada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 20 de dezembro de 2023, estabelecendo o marco temporal (Observa RO- V Boletim).
Em contrapartida, movimentos indígenas e outros da sociedade civil se organizaram para luta contra o marco temporal conforme veremos em publicações posteriores.
Leia o primeiro texto dessa série sobre a tese do Marco Temporal:
Fontes:
AGÊNCIA BRASIL. Maioria do STF vota contra tese sobre marco temporal. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-09/maioria-do-stf-vota-contra-tese-sobre-sobre-marco-temporal
APIB. Marco Temporal. Disponível em: https://apiboficial.org/files/2023/06/030231b2-e186-4f7f-835b-102c614ca194.pdf
G1. Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/21/marco-temporal-sobre-terras-indigenas-entenda-o-que-dizia-a-tese-rejeitada-pelo-stf.ghtml
OBSERVA RO. V Boletim. Disponível em: https://observaro.org.br/wp-content/uploads/2024/05/OBSERVATORIO-SOCIOAMBIENTAL-DE-RONDONIA-EDICAO-V.pdf
PODER 360. STF forma maioria para rejeitar a tese do marco temporal. https://www.poder360.com.br/justica/stf-forma-maioria-para-rejeitar-a-tese-do-marco-temporal/
UNITED NATIONS. Brasil: Os direitos ameaçados dos Povos Indígenas sobre suas terras, territórios e recursos devem ser protegidos, afirma especialista da ONU Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/indigenouspeoples/sr/20240711-PR-Brazil-must-protect-Indigenous-Peoples-lands-portuguese.pdf
UOL. STF encerra julgamento que derruba tese do marco temporal por 9 a 2. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/09/21/stf-encerra-julgamento-que-derruba-tese-do-marco-temporal-por-9-a-2.htm